Juliano Moraes

Cedofeita après la lettre. 1’20, 2020 Essa proposta inicia-se com um texto de Alain Badiou sobre afirmação de que a questão do amor deve ser abordada a partir de dois pontos que correspondem a experiência de cada um, e da conversa com Maria Teresa Lemos. É uma animação em processo que, aos poucos, será acrescentado novos “contos”. De início, proponho como uma resposta ou uma forma de pensar o amor como encontro e reconhecimento da diferença do outro em tempos de quarentena.

Os amantes são “alterofilistas”4’30, 2020 O amor como exercício da alteridade é o tema desse segundo filminho tosco de apartamento em tempos de coronavírus. Diante do que estamos passando vale a pena perguntar o que estamos perdendo: o dinheiro? As liberdades individuais? Talvez o mais importante, a capacidade de reconhecimento do outro.

CEDOFEITA APRÈS LA LETTRE

“Cedofeita après la Lettre”, depois do sentido, tem início com a descoberta, por mim, da Igreja de São Martinho da Cedofeita. Um sólido e conciso templo em pedra, românico, de nave única erguida, segundo informa a pedra do tímpano, no século VI pelo rei suevo Teodomiro. Marca minha experiência de chegada em terras alhures, de uma nova experiência do tempo e do espaço. De um já quase velho corpo dando seu testemunho ao se debater contra absoluto e se questionar: o que pode o corpo quando jogado contra uma inescrutável rocha forjada a “fogo frio”? O que pode o corpo contra o real? Esse trabalho, inicialmente, seria uma performance e uma escultura. A chegada do covid-19 obrigou-me a adaptar essa ideia inicial e transformá-la em pequenos filmes de apartamento, filmes-contos que serão adicionados aos poucos outros filmes até que se forme um filme-livro de maior duração.

Os dois primeiros filmes (contos) propõem pensar o amor como encontro da diferença em tempos de quarentena. O vírus é tão somente um ser natural, mas pode ele torna-se político na medida em que serve a política de ordenamento dos corpos? Eis a condição paradoxal: na medida que o vírus se politiza, mais ele nos leva rumo ao uma vida puramente biológica, em que existimos apenas para sobreviver. Diante do que estamos passando vale a pena perguntar o que nós estamos efetivamente perdendo -- o dinheiro? As liberdades individuais? Talvez o mais importante, a capacidade de reconhecimento do outro.

Entretanto, quando para alguns da Europa o vírus nos condena a “vida nua” ou para outros preconizam uma crise do capitalismo, em alguns outros lugares, como no Brasil, onde a “vida nua” já é preponderante, sobreviver deve passar pela reinvenção do amor como o mais elementar encontro do outro. Neste espetáculo narcísico do mundo, talvez uma utopia que ainda vale a pena seja redescobrir duração da vida como algo mais além da natureza. Com diz Alain Badiou, “o amor é uma reinvenção da vida. Reinventar o amor é reinventar essa reinvenção”. Mas os novos “arquitetos da destruição” querem uma segunda chance. Veem no vírus a possibilidade de criar vida a partir da ruína do que acham que é velho e obsoleto. E o que não é para eles? Mas o “novo” desses arquitetos não faz sentido porque estão fora do tempo ao possuírem no seu interior a eternidade da morte. Eles não conseguem perceber que recriar a vida é também recriar o amor como experiência radical da alteridade.

“Cedofeita après la Lettre”, after the meaning, begins with my discovery of the Church of São Martinho da Cedofeita. A Romanesque, solid and concise stone temple with a single nave erected, according to the stone of the tympanum, in the 6th century by the Swedish king Teodomiro. It marks my experience of arriving in elsewhere lands, of a new experience of time and space. Of an almost old body giving its testimony when struggling against the absolute and asking itself: what can the body do when thrown against an inscrutable rock forged by “cold fire”? What can the body do against the real? Initially, this work was going to be a performance and a sculpture. The arrival of the covid-19 forced me to adapt this initial idea and transform it into small apartment-made films, short stories that will be slowly added to until a longer book-film is formed.

The first two films (short stories) propose to think about love as the encounter of difference in these times of quarantine. The virus is just a natural being, but can it become political in so far as it serves the policy of ordering bodies? Here is the paradoxical condition: as the virus becomes more politicized, the more it takes us towards a purely biological life, in which we exist only to survive. Given what we are going through, it is worth asking what we are effectively losing - money? Individual freedoms? Perhaps most importantly, the ability to recognize the Other.

Meanwhile in Europe, where for some the virus condemns us to a “naked life” and for others it precognizes a crisis of capitalism, in some other places, such as Brazil, where a “naked life” is already preponderant, survival must go through the reinvention of love as the most elementary encounter of the Other. In this narcissistic spectacle of the world, perhaps a utopia that is still worthwhile is to rediscover our life span as something beyond nature. As Alain Badiou says, “love is a reinvention of life. Reinventing love is reinventing that reinvention”. But the new “architects of destruction” want a second chance. They see in the virus the possibility of creating life from the ruin of what they think is old and obsolete. And what's not for them? But the “new” of these architects does not make sense because they are out of time by having the eternity of death within them. They fail to realize that to recreate life is also to recreate love as a radical experience of otherness.

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