Isadora Petrauskas

Fotografia digital/ digital photography

60 dias comigo / 60 days with me

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Bernardo Soares dizia que a natureza deu ao homem o dom de não poder fitar os seus próprios olhos, mas dentro de uma situação de exílio ou isolamento social encarar a si mesmo muitas vezes se torna inevitável. A remoção do sujeito das suas atividades quotidianas favorece encontros mais frequentes com o ócio através de uma estrutura de repetição que, como Xavier de Maistre discute em Viagem ao Redor do Meu Quarto, é um sucessivo movimento de retorno ao mesmo espaço. Ao se reencontrar com o mesmo espaço, e removida da maior parte das incumbências habituais, isto é, distanciada da variação do mundo externo, me deparo com a monotonia do meio, com um cenário que vai se uniformizando; a mesma sala, a mesma cozinha, os mesmos móveis. A invariabilidade do ambiente se torna uma superfície branca de espelhamento onde sou confrontada com meu próprio reflexo. Nesse sentido, o ócio permite a percepção da variação de mim mesma. Como o Branco sobre Branco de Malevich que dispensa a maioria das características da arte representacional, sou uma forma geométrica simples flutuando com limites mal definidos que permite ao observador ver o que ele consegue, ver a si mesmo. O esvaziamento do barulho externo permite me ouvir a minha multidão interna. Talvez seja por isso que o ócio tenha uma reputação tão negativa, não apenas por ser um momento de não produção, encarado como um gesto de resistência à sociedade capitalista, mas pelo pavor que dá fitar os próprios olhos.

Bernardo Soares said that nature gave man the gift of not being able to look into his own eyes, but in a situation of exile or social isolation, facing yourself often becomes inevitable. The removal of the subject from their daily activities favours more frequent encounters with idleness through a structure of repetition that, as Xavier de Maistre discusses in Journey Around My Room, is a successive movement of return to the same space. When I find myself in the same space, and removed from most of my usual tasks, that is, distanced from the variation of the external world, I am faced with the monotony of the environment, with a scenario that is becoming uniform; the same room, the same kitchen, the same furniture. The invariability of the environment becomes a white mirroring surface where I am confronted with my own reflection. In this sense, idleness allows the perception of the variation of myself. Like Malevich's White on White, which dispenses most of the characteristics of representational art, I am a simple geometric shape floating with ill-defined limits that allows the observer to see what they can, to see themselves. The emptying of external noise allows me to hear my internal crowd. And perhaps that is why idleness has such a negative reputation, not only because it is a moment of non-production, seen as a gesture of resistance to capitalist society, but because of the dread that is to look into your own eyes.

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